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sábado, 10 de setembro de 2011

Pachamama

"Lá me escapou a decifração do mistério, esse doce mistério de algumas semanas antes, quando Virgília me pareceu um pouco diferente do que era. Um filho! 
Um ser tirado do meus ser! Esta era minha preocupação exclusiva daquele tempo. Olhos do mundo, zelos de marido, falecimento de Viegas, nada me interessava por então, nem conflitos políticos, nem revoluções nem terremotos, nem nada. 
Eu só pensava naquele embrião anônimo de obscura paternidade, e uma voz secreta me dizia: é teu filho. Meu filho! E repetia estas duas palavras com certa voluptuosidade indecifrável, e não sei que assomos de orgulho. Sentia-me homem.
O melhor é que conversávamos os dois, o embrião e eu, falamos de coisas presentes e futuras.
O maroto amava-me, era um pelintra gracioso, dava-ma pancadinhas na cara com mãozinhas gordas, ou então traçava a beca de bacharel, porque ele havia de ser bacharel e fazia um discurso na Câmara dos Deputados. 
E o pai a ouvi-lo de uma tribuna, com os olhos rasos de lágrimas. De bacharel passava outra vez à escola, pequenino, lousa e livros debaixo do braço, ou então caia do berço para tornar a erguer-se homem. Em vão buscava fixar no espírito uma idade, uma atitude; esse embrião tinha a meus olhos todos os tamanhos e gestos: ele mamava, ele escrevia, ele valsava, ele era o interminável nos limites de um quarto de hora -baby e deputado, colegial e pintalegrete. 
Às vezes, ao pé de Virgília, esquecia-me dela e de tudo; Virgília sacudia-me, reprochava-me o silêncio; dizia que eu já não lhe queria nada. A verdade é que estava em diálogo com o embrião, era o velho colóquio de Adão e Caim, uma conversa sem palavras entre a vida e a vida, o mistério e o mistério."
Extraído de Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis 
Publicado pela Ciranda Cultural Editora

Foto: Escultura em fibra 
com base de pedra que 
realizei em 2009, 
é a Pachamama

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