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terça-feira, 6 de outubro de 2015

Discurso histórico do Presidente Médici, do Brasil

"Aqui vim para ver, com os olhos da minha sensibilidade, a seca deste ano, e vi todo o drama do Nordeste.
Vim ver a seca de 1970 e vi o sofrimento e a miséria de sempre.
Agradeço a Deus a inspiração de fazer esta viagem de emergência; uma viagem inesperada, de flagrante, apressada, parando um pouco em cada lugar, para ver as coisas e os homens que eu queria ver.
Vim ver e vi. Vi o Nordeste de dentro, dos sertões  secos de Crateus e dos Currais Novos. Vi a paisagem árida, as plantações perdidas, os lugarejos mortos.  Vi a poeira, o sol, o calor, a inclemência dos homens e do tempo, a desolação.
Vi as frentes de trabalho, feitas só para assistir os homem.
Vi os postos de alistamento destas mesmas frentes, com multidões famintas, angustiadas, esperando a sua vez.
Vi o homem. Falei a esse flagelado.  Vi seus farrapos, apertei a sua mão, vi o que comia, perguntei pelos seus, por usa terra, seu trabalho, seu patrão; vi homens comendo  só feijão e farinha sem tempero e sem sal.  E dizer-se que vi isso em terra de salinas.
Vi o sofrimento de homens moços, de mais de dez filhos, nunca menos de cinco, deixados  lá longe, onde não cheguei a ir.
vi crianças desassistidas ao longo do caminho.
Vi a tosca tapera dos homens que tiveram a sorte de alistar-se nas frentes de trabalho e pensei nos que nem chegaram até ali.
Vi a mão verde-oliva dos companheiros do Exército - do soldado ao general - estendida a esse homem, como estrutura atuante de assistência social.
Vi como homens se vinculam À terra, vinculados a seus donos.  Vi essa pobre lavoura de sustento, sem água, sem técnica, sem adubo, sem produtividade, desenganada de dar o esperado fruto.  E, por que isso, vi a angústia dos meses que ainda virão sem chuva.
Mas vi por todas as partes dos sertões por onde andei, o espírito de religiosidade, a resignação, a bondade, o apego à família.  Vi a esperança, apesar de tudo, e a fortaleza moral daquela gente sofrida que a mim falou sua verdade.
e sei que muito mais não vi. Não vi outras frentes de trabalho, mais carentes de organização e de recursos, nem os lugares onde frentes nem se chegaram a fazer. Não vi as famílias flageladas que ficaram longe e sem forças, que não vieram buscar a esperança distante.
Vi tudo isso com os meus próprios olhos e concluí o que não cheguei a ver.  Nada, em toda a minha vida, me chocou assim, e tanto me fez emocionar e desafiar minha vontade.
portes e do Interior.  Se, dos Ministérios do Trabalho e da Saúde, vieram só representantes, é que mandei os titulares em missão ao Exterior.  A tudo viram, a meu lado, o Superintendente da SUDENE, os diretores dos DNOCSe do Banco do Brasil, os Generais-Comandantes do IV Exército e do Grupamento de Engenharia, assim como os Chefes dos Gabinetes Civil e Militar da Presidência, o Chefe do SNI, os meus assessores imediatos e os profissionais da Imprensa que eu trouxe do Sul.
Sabemos, todos, que tudo isso já foi muito pior no Nordeste antes da SUDENE, antes da Revolução.  Sabemos que a seca já foi indústria que enriqueceu muita gente. Sabemos que a corrupção já se saciou desse flagelo e que tanto demagogo fez da miséria do sertanejo a bandeira da subversão.  Sabemos que, noutros tempos, não havia sequer uma estrutura capaz de organizar e assistir.  Sabemos que já vai longe a época em que toda a estratégia consistia em obter recursos extraordinários do Governo Federal, que, longe de chegarem aos necessitados, se perdiam em iniciativas ingênuas  e estéreis, ou mesmo, sob todas as formas de desonestidade. Forçoso é que se diga, porém, que o quadro que nós vimos não é o quadro que devemos ver, quaisquer que sejam as desventuras, as calamidades e inclemências da natureza. Forçoso é que nenhum de nós se conforme com essa  triste realidade.
E tudo isso vi, e é preciso que se diga que houve quem me aconselhasse a que eu não viesse ver.
Vi, também, a multiplicidade e a superposição de órgãos de natureza e escalões diversos, atropelando-se nas providências e prejudicando a indispensável unidade de comando para a ação.
Vi muita preocupação de que eu não visse nada, e que só visse e ouvisse os poderosos da terra.
Sei, também, que desgraçadamente, tantos dos que se queixam da falta de meios para vencer o flagelo, dilapidam preciosos recursos em propaganda e no empreguismo fácil, que, se nem sempre lhes assegura vitórias eleitorais, sempre compromete a Administração nos anos que hão de vir.
Com o velho hábito de comandante de tropa que vela pelo seu último soldado, o Chefe da Nação não pode compreender a existência de compatriotas seus sobrevivendo em condições tão precárias.
Não, não me conformo. Isso não pode continuar.
Que fazer, então, se não há milagre que transforme tudo agora mesmo, nem ao menos o milagre que tire o egoísmo do coração dos homens?
Há providências a tomar imediatamente, no mínimo para remediar tanta coisa que já deveria ter sido feita. E há coisa para fazer depois, para que o Nordeste um dia não seja mais assim.
Agora é levar a comida a quem tem fome, com o abastecimento de gêneros essenciais à área atingida.
Agora é dar trabalho, dar um trabalho qualquer, para que o homem se sinta válido, com uma garantia de recursos para as frentes, nisso todos os Estados - não só os da região - com ênfase para as obras de infra estrutura, de rodovias e de irrigação.
Agora é antecipar recursos, inclusive os recursos do Fundo Especial para os estados do Nordeste, não para que se malbaratem em mãos inadequadas ou em projetos enganadores, mas para projetos essenciais e de execução imediata, que cheguem logo ao homem, sob a forma de teto, de roupa, de comida, de água, de esgoto e de remédio.
Que fazer, então, de mais duradouro e definitivo?
Há quem pense ser possível a solução dos problemas das regiões semi áridas do Nordeste com a retirada, por decreto, das populações, esquecidos do amor à terra que essa gente tem.
Há quem pense que tudo se resume em redistribuir a terra, como se esse homem ainda tivesse condições de lhe dar a produtividade que ela não tem.
Há quem pense que tudo se resume na farta distribuição de créditos extraordinários aos governos estaduais e municipais, assim como aos donos da terra, sem que se apercebam dos perigos da pulverização de recursos e dos descaminhos que impedem que eles cheguem ao homem que sofre, chegando, no melhor, no chafariz da praça.
Há quem pense que tudo se resume em irrigação, sem se dar conta do preço da solução nas dimensões necessárias.
E há, ainda, os que não pensam em solução nenhuma, só pensam em protesto, para acender a revolução social, que nos iria desunir a todos, sacrificar gerações, agravar a miséria e retardar o encontro de nosso caminho.
Então, se devemos ter a sensibilidade para sentir o problema todo, devemos também ter os pés no chão e os olhos à frente para prever o desdobramento do futuro.
É certo que não podemos deixar as coisas como estão; é certo que precisamos corrigir desvios e distorções, erros de cálculo e de perspectiva, mas não podemos pulverizar recursos, sufocar a nascente indústria nordestina, nem subverter as estruturas, ou prejudicar a notável recuperação econômica do País.
O que podemos fazer, em prazo menos iminente, é ajustar os planejamentos à realidade e contribuir para a mudança da mentalidade político-administrativa também aqui no Nordeste.
Decidi, então, fortalecer a agricultura nordestina, para torná-la resistente às secas, empenhando recursos substanciais, até de origem externa, em programas de irrigação em áreas selecionadas.
Decidi canalizar também, consideráveis recursos de incentivos fiscais para a execução de projetos agrícolas, onde quer que se configure uma clara perspectiva de produtividade, o que implicará no fortalecimento das instituições de pesquisa agrícola.
Decidi incentivar a programação da colonização em zonas úmidas do Nordeste, do Maranhão, do sul do Pará, do Vale do São Francisco e do Planalto Central, de forma a absorver as populações de áreas consideradas totalmente desaconselháveis à vida humana.
Estou seguro de que, no campo político administrativo, poderei contar, no próximo ano,com uma equipe de governantes estaduais e municipais, também como agora, perfeitamente sintonizada com os diretores de organismos com jurisdição na área, com os chefes militares e com os meus próprios Ministros, de tal forma que a orientação que de mim se emane se converta, em verdade, na desejada unidade de comando.
Ao fim desta viagem de que retorno ainda mais determinado a cumprir a minha missão, quero dizer ao povo do Nordeste que não lhe prometo nada, não prometo milagres, nem transmutação, nem dinheiro, nem favores, nem peço sacrifícios, nem votos, nem mobilizo a caridade. Só digo é que tudo isso tem de começara mudar.
Exijo a contribuição da Nação inteira, a determinação dos governantes, o espírito público, a firmeza de todo chefe.
Exijo a austeridade de todos os homens responsáveis para que não haja indiferença ao sofrimento e à fome. Exijo que se diga, e se mostre sempre a verdade, por mais que ela doa..
Apelo à imprensa do meu País para que aponte o que de bom e mal houver, sem preocupar-se tanto com o impacto e o sensacionalismo.
Apelo à mocidade para que não malbarate sua generosidade e sua energia, buscando objetivos que não levam a nada, mas que se junte aos homens que, em verdade, estão preparando o Brasil de seu amanhã.
Apelo à consciência nacional, para que todos os brasileiros sintam que o Nordeste, não é um problema distante, não pertence ao nordestino, mas é um problema nacional, que toca à sensibilidade e ao brio de todos nós.
E hoje, nessa cidade de Recife, perante governadores e Ministros, pensando no povo, particularmente no povo nordestino, quero dizer que não me sinto com poderes e dons para fazer milagres,mas tenho firmeza, confiança e decisão para proclamar à Nação inteira, que com a ajuda de todos os brasileiros e com a ajuda de Deus, o Nordeste afinal haverá de mudar."

- Texto integral do discurso histórico do Presidente Médici,  proferido no dia 06 de junho de 1070, dez dias antes de assinar o Decreto lei n° 1.106, criando o Programa de Integração Nacional; o nascimento da Transamazônica. Extraí do interessante livro escrito por Flávio Alcaraz Gomes, Transamazônica - a Redescoberta do Brasil, publicado em 1972 pela Livraria Cultura Editora. Adquiri o exemplar em um sebo no Rs, em Mariluz. Começo a leitura e este discurso delicioso me faz retornar e ler novamente, ler e reler.
 Se não partilhasse contigo, não poderia seguir em frente, desta forma... 

imagem, quadro  em óleo sobre tela de minha autoria, fiz em 2009,