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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Erotismo e Mulheres Fatais

Torno a pensar no erotismo lendo os fatos diversos, olhando os rostos daquelas que durante alguns dias são as "heroínas" de primeira página.
Uma tem um grande rosto animal, olhos bovinos, uma ondulação permanente nos cabelos. dois homens se mataram por causa dela. A outra é uma morena magra, sem complexos, exibindo, em seu maiô de banho, duas covas aflitivas nas clavículas e canelas finíssimas. Nove amantes, um dos quais está zangado. a terceira, muito loira, muito pálida, muito insípida, boneca que a gente ganha na feira com um punhado de nozes como prêmio: o padrasto violou-a, o marido matou o padrasto. Paixões sombrias. Ghislaine com cara de porco "inspirava amor ainda que aos sessenta anos", Jeannine que pesa oitenta quilos "disse não uma vez mais". Josyane, apesar do rosto humilde de criança mal alimentada, sem um dente da frente, as duas mãos no bolso do avental de xadrez, era não obstante "libertina" e Renée, "a amante do guarda-caça", tentou com sua 2 CV esborrachar sua rival.
São mulheres fatais, as verdadeiras, aquelas dos fatos diversos, das fotos magenta de Detetive, fotos passadas, poéticas, daquelas que se pavoneiam nos bufês de campo ou nos consolos as habitações populares até hoje...
Leio os fatos diversos. Leio Detetive. Descubro essa evidência, os grandes dramas se desenrolam ante os bufês. Hentique III, as belas paixões se desenvolvem entre as mesas de fórmica e o forno, os corações muito apaixonados não teem água corrente. Não são os agregados da filosofia que matam pelos belos olhos dos manequins da alta-costura, é o entregador de mercadorias que ama a padeira, a cabeleireira que se mata sobre a tumba do leiteiro; é nos bailes de subúrbio e nas cooperativas que se ama ainda à primeira vista e para sempre, é nos pavilhões que se sonha e que se envenena, é nos pequenos botequins que se morre de amor.
E me fazem rir muito esses que se queixam da vaga do erotismo na publicidade, no romance, no cinema. A vala que separa essas pretensas "mulheres fatais" de nossas beldades de minissaia, peruca e meias rendadas demonstra formidavelmente o contrário. É uma tentativa desesperada de reanimar (em proveito do triste consumo) um fogo que foi sagrado e que se apaga. Exactamente como a veneração contrafeita do instinto, da barbárie, do grito, tenta dissimular a impotência crescente de uma arte que tem vergonha de si mesma. Falamos da violência: nossa época não é violenta; é cruel, como todas as épocas de transição e de degenerescência. A violência tem por contra partida o entusiasmo, a barbárie, tem a fé e a simplicidade. A crueldade não possui outro inverso que a mediocridade, a tristeza, o tédio.
E o que se chama hoje erotismo me parece hoje lastimável, não porque desperte os reforce o instinto sexual, mas porque o falseia, o distorce, e de pulsão instintiva o transforma em valor social.
Porque, enfim, será realmente para agradar, no sentido imediato da palavra, que a mulher se veste, se pinta, emagrece, e pensa com angústia em sua linha e seus enfeites, em continuar jovem e ter o ar alegre? Bem se vê que não. as mulheres que suscitam grandes paixões, como aquelas que teem numerosas aventuras, as que procuram unicamente um marido, um amor ou relações passageiras, não correspondem forçosamente e mesmo raramente correspondem ao estereótipo da loja. Não, a mulher que se quer jovem à maneira de uma star, vestida como tal ou tal manequim, delgada ou olho em triângulo como o cronista da moda aconselha, procura encarnar uma imagem mais do que agradar a um ou todos os homens. E, justa reciprocidade das coisas, elas só colherão homens que amam as imagens, e não as mulheres.
O homem que sai com um manequim que não lhe dá mesmo vontade mostra que pode gostar de exibir um valor oficialmente reconhecido. Assim, denunciar "o erotismo ambiente" é cair na esparrela de uma mistificação social.
Mas o social não poderia estar excluído do erotismo, e nele se introduz como qualquer outra deformação, para se tornar um vício, uma realidade portanto. O desejo não se aplica à mulher, mas à valorização que ela proporciona. assim mesmo é um desejo, que acaba por se exprimir fisicamente, comunicando a um erotismo tornado real, mas fetichista (deseja-se uma mulher valorizada pela moda, como se deseja uma prostituta disfarçada de neocomungante), uma tristeza mórbida, um desencanto bem moderno.
Assim, o que temo diante do cartaz, da loja, do filme, da revista, para meus filhos, não é que esse suposto erotismo desperte desejos precoces. É que, quando chegar a hora do desejo e, espero, do amor, eles não saibam reconhecê-la.
Extraído de Casa de Papel, escrito por Françoise Mallet Joris, publicado pela José Olympio Editora

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